sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Macondo iguaçuana

Turma A da Cobrex conta histórias que lembram o realismo mágico.


Uma tsunami de histórias invadiu a sala da Escola Municipal Herbert Moses em que se reuniram os 36 jovens da turma A da Cobrex que estão participando da gincana "Minha Rua Tem História". O tema proposto na última quinta-feira pelo oficineiro Leandro Sílvio Martins deixou a turma tão mobilizada, que as duas horas não foram suficientes paraque todas as tarefas fossem apresentadas. Isso terminou beneficiando as seis pessoas que não haviam realizado a tarefa e os dez jovens que estavam participando do projeto pela primeira vez. Ambos terão oportunidade de apresentá-las na próxima quinta-feira, antes que o oficineiro estique a folha de papel pardo na qual tentará traçar a linha do tempo de todas as histórias daquela turma.

Houve lembranças para todos os gostos, mas as histórias que prevaleceram, de um deslavado realismo fantástico, comprovam a tese do escritor colombiano Gabriel García Márquez. O mais consagrado autor latino-americano da atualidade, que sempre disse se basear nas narrativas populares para escrever seus romances, se sentiria em casa ao ouvir o relato sobre a laranjeira do quintal da estudante Renata da Silva Alves, moradora daestrada de Santa Rita, em Três Corações. Uma das três árvores do seu quintal só passou a dar frutos quando seu pai disse em alto e bom som que iria cortá-la para construir em seu lugar um poço artesiano.
Herança
Também se aproxima da magia a história contada pelo estudante Anderson Monte Campos, um morador de 19 anos da Rua Cascatinha. Único jovem a recorrer a um esquete para apresentar sua tarefa, ele levou um galho do cafeeiro da casa em que sua avó morreu desgostosa com os filhos. "A árvore passou quase dez anos sem dar nenhum fruto", contou ele para a turma. "Ela só voltou a dar café quando nasceu um novo neto dela, há três anos." As duas bananeiras do quintal da estudante Bruna Leandro, uma moradora de 18 anos da rua Pedro Ivo em Botafogo, só fez confirmar a hipótese que as árvores de Nova Iguaçu temsentimento.

Plantadas pelo seu padrasto, as bananeiras que ele regava diariamente foram motivos de muitas brigas entre ele e a mãe de Bruna, que não acreditava que um dia fossem frutificar. "Elas só começaram a dar depois que ele morreu, um ano", contou sua enteada, com a vozligeiramente embargada. Para Bruna, aquelas bananas são a herança do seu padrasto.
Choro da mangueira
Pelo menos mais duas histórias reforçaram a crença nos poderes sobrenaturais das árvores de Nova Iguaçu. Em uma delas, Claudiomar Márcio, um morador de 20 anos da Estrada de Santa Rita, em Três Corações, salvou as lagartas que estavam apodrecendo as goiabas brancas com que ele e sua tia se fartavam ao deixar um copo com água no pé. "Seis mesesdepois, as lagartas tinham sumido", contou.
Já a estudante Michele Maria, uma moradora de 20 anos da Rua da Matriz, em Botafogo, impressionou-se com o sonho da avó quando a família resolveu cortar a mangueira em que ela e sua prima balançaram-se durante a infância, estéril apesar de frondosa. "Minha avó sonhou que a árvore estava chorando e que ela dava ouro", contou Michele. Agradecida, a árvore passou a dar suculentas a partir de então.

As 19 histórias lidas entre as 17:30 e 19:30 não se resumiram a mostrar o lado místico de Nova Iguaçu. O cipó encontrado na casa nova da rua do Bosque pela estudante Eliane Herculano da Silva, hoje com 17 anos, revela uma cidade quase rural, onde as crianças da sua rua não tinham dificuldade para se sentir verdadeiros tarzans enquanto davamsaltos acrobáticos da árvore no fundo do quintal até uma área que ela e o irmão Rogério limpavam com todo cuidado."Nosso pai não queria que a gente pulasse, mas todo dia, quando a gente voltava da escola, meu irmão e eu esperávamos nossa mãe tirar sesta para ir pular do cipó", contou ela. A farra, da qual participavam as crianças da vizinhança, foi interrompida no dia em que um dos meninos caiu de mal jeito e se quebrou. "Ainda bem que nem eu nem meu irmão estávamos naquele dia", disse ela. "Se não, a gente ia levar uma tremenda coça." Mas se eles conseguiram se livrar da ira do pai, não tiveram forças para impedir que os vizinhos derrubassem o cipó." Eles chegaram à conclusão de queaquela árvore era um perigo para a garotada", lamentou.


Machado do seu Machado
O cipó de Bruna não foi a única árvore a tombar devido à ingerência dos vizinhos no quintal alheio. Talvez o caso mais gritante tenha sido relatado pela vendedora decosméticos Luana Eliseu Próximo, uma moradora de 18 anos da Estrada Velha de Santa Rita, que, quando morava na rua Manuel Rose Chaves, no bairro de Botafogo, viu os jamelões do seu quintal ser derrubado por um vizinho que se dizia ameaçado pelas árvores, que, além de atrair moscas e sujar a rua, poderiam cair sobre o telhado das outras casas. "O pior de tudo é que seu Machado havia ganhado um terreno de minha mãe para construir a casa dele", comentou Luana.

O desmatamento também abateu outras árvores que habitam a memória da turma A da Cobrex, como foi o caso da dama da noite existente no quintal da estudante Josiane Trajano da Silva, uma moradora de 19 anos da Alameda Paulo Afonso, no bairro de Ambaí. Pressionado pelo vizinho, insensível ao perfume noturno da flor que desabrochava no verão e incomodado com a sujeira que fazia no quintal do amigo, o pai de Josiane derrubou a árvore para construir um muro. "Minha mãe ainda hoje se arrepende por ter deixado meu pai derrubá-la porque adorava aquela dama da noite", contou a estudante de Ambaí. Essa história contém pelo menos duas ironias: o vizinho insatisfeito morreu não muito tempo depois e o pai jamais concluiu a construção do muro com que convenceu a esposa a abrir mão do perfume das belas flores brancas.


Roubo dá frutos
Os jovens da Turma A se divertiram com a moral inserida nas recordações da cajazeira hoje frondosa no quintal da casa de Luís Vinícius de Sousa, um morador de 23 anos da Rua Roberto de Sá Carvalho, no Jardim Ocidental. "Quando eu era menino, eu sempre roubava cajá no quintal de uma vizinha ao voltar da escola", contou ele,que pulava o muro com o calço que os amigos faziam. Ele, que sempre deixava para comer o cajá depois do almoço, jogava os caroços da fruta pela janela da cozinha. "Meus roubos deram frutos", disse ele,provocando o riso de todos presentes ao contar que nasceu uma cajazeira no quintal de sua casa. Todos também foram às gargalhadas quando revelou a sensação de "aqui se faz, aqui se paga" ao descobrir as marcas de pé no muro de garotos que agora entram na sua casa para roubá-lo.


Cai para levantar
Nenhuma das histórias deixou o público tão emocionado como as lembranças das palmeiras em volta da Escola Municipal Dom Walmor, contadas entre lágrimas pela babá Jaqueline Gomes de Oliveira Ferreira, uma moradora de 21 anos da Rua dos Coqueiros, em Botafogo.Foi sob a sombra daquela árvore que Jaqueline travou um inquietante diálogo com Deus em seguida à morte de seu pai, devorado por um câncer na cabeça quando ela tinha 11 anos. "Era um dia nublado e eu corri quando senti as primeiras gotas de chuva", disse ela. Qual não foi o seu susto ao descobrir que, junto com as gotas da chuva, caiu uma folha verde em seus cabelos. "Descobri naquele dia que a gente cai para levantar", concluiu.

Um comentário:

Unknown disse...

Ahh,como eu choerei ouvindo essa historia!!!

ela foi a unica que mais me tocou profundamente.

uma historia linda,emocionante e verdadeira.

adooooooreeeiii

beijos